Valter Campanato/ABr |
Uma
manobra encabeçada por dois senadores evangélicos “enterrou”, no
Senado, o projeto de lei que torna crime inafiançável e imprescritível a
discriminação de homossexuais. O entendimento é compartilhado tanto por
um dos principais defensores do chamado PL da Homofobia,
o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), quanto por um de seus mais aguerridos
opositores, o pastor Silas Malafaia. Na prática, a discussão, iniciada
em 2001 na Câmara, volta à estaca zero. Mas o último relator da
proposição, senador Paulo Paim (PT-RS), não se dá por vencido e promete
ressuscitar a discussão em 2014.
Presidente da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Malafaia
diz que o projeto “foi para o espaço” graças aos senadores Magno Malta
(PR-ES) e Eduardo Lopes (PRB-RJ). Com o apoio de Malta, Eduardo Lopes
apresentou o requerimento que vinculou o PL 122/06 às discussões do novo
Código Penal. O pedido foi aprovado, na última terça-feira (17), por 29
votos a 12 e duas abstenções.
Com outro requerimento, apresentado em conjunto com o senador Vital
do Rêgo (PMDB-PB), o capixaba conseguiu excluir do relatório do Código
Penal, no mesmo dia, as expressões “gênero”, “identidade de gênero”,
“identidade sexual” e “orientação sexual” dos parágrafos que tratavam de
discriminação e preconceito.
O argumento utilizado pelos religiosos e apoiado por 29 senadores foi
de que o relatório do novo Código Penal prevê a revogação da Lei
7716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de
cor, aos quais seria equiparada a discriminação contra os homossexuais.
Por isso, o debate sobre o assunto deveria ser feito à luz da nova
legislação penal. “O que foi feito agora era o que queríamos desde
antes”, disse Magno Malta ao Congresso em Foco. Na prática, a discussão sobre a homofobia vai ser diluída no debate da complexa reformulação de todas as leis penais do país.
“Capetada”
Em seu site Verdade Gospel, Malafaia escreveu, na última
quarta-feira, que o projeto que torna crime a discriminação de
homossexuais é “um verdadeiro lixo moral para beneficiar os gays em
detrimento do restante da coletividade da sociedade” (leia a íntegra do texto).
“Não adianta chorar ou xingar. O PLC 122 foi para o ‘espaço’. Nada de
privilégios para ninguém. Homo, hetero, religioso ou não, lei é pra
todos”, comemorou o pastor em seu Twitter. “Para a capetada e ímpios que
zombam do povo de Deus, ahahahahaha; hoje é dia de muita kkkkkkkkkkkk,
povo de Deus, vamos kkkkkkk. Deus é maior kkk”, publicou o religioso na
terça-feira, em seu microblog, após a decisão do Senado.
Segundo ele, além de Magno Malta e Eduardo Lopes, também foram
fundamentais para o “enterro” do projeto da homofobia o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o petista Lindbergh Farias (RJ), a
quem o pastor já declarou apoio para a disputa ao governo do Rio de
Janeiro em 2014. Lindbergh e Malafaia são alvo de uma representação da
Procuradoria Regional Eleitoral no Rio de Janeiro, que os acusa de
propaganda eleitoral antecipada durante um culto religioso realizado em
13 de outubro. Para o pastor, o petista foi corajoso por ter contrariado
a orientação de seu partido na votação do requerimento que atrelou o PL
da Homofobia ao novo Código Penal.
Bombardeio
Já o presidente do Senado demonstrou “ousadia” e “coragem”, de acordo
com o pastor, ao submeter o pedido de Eduardo Lopes a votação. O
religioso também destacou que o “bombardeio” de mensagens eletrônicas
enviadas por eleitores evangélicos para os senadores forçou o Senado a
derrubar o projeto.
Gustavo Lima/Ag. Câmara |
Principal
liderança dos homossexuais no Congresso, Jean Wyllys reconheceu que o
PL da Homofobia foi “enterrado”. Para ele, foi o desfecho de uma
“crônica de uma morte anunciada”, promovida pela bancada governista.
“Longe de promover um debate sério, a bancada governista cedeu à
chantagem dos fundamentalistas, como o governo Dilma tem feito desde o
início. Cada novo substitutivo do projeto, cada nova alteração, cada
novo adiamento significou um retrocesso. Foi tanto o que cederam (para
garantir o ‘direito’ dos fundamentalistas a pregar o ódio) que do
PLC-122 original só restava o título. E foi esse título que enterraram
hoje!”, escreveu Jean Wyllys em sua página no Facebook.
Sem “homofobia”
O projeto da homofobia sofreu várias alterações na Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa. Na semana passada, o
relator da proposta, Paulo Paim, apresentou seis mudanças no texto em
busca de acordo com parlamentares e grupos religiosos contrários à
criminalização do preconceito contra homossexuais. Por falta de
entendimento, a votação acabou adiada.
Paim excluiu, por exemplo, o termo homofobia do projeto. A proposta
equiparava a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero
ou por procedência geográfica ao racismo, ou seja, passava a ser crime
inafiançável e imprescritível. O relator também resguardou o direito de
padres e pastores de manifestarem suas opiniões em “espaços e eventos
religiosos”.
Na versão anterior, Paim fazia referência a “templos religiosos”, o
que não contemplaria, segundo lideranças religiosas, as críticas feitas
em cultos e missas em ginásios, estádios e ruas, por exemplo. O projeto
acabou não votado a pedido do senador Eduardo Lopes, que conseguiu, esta
semana, emplacar um requerimento atrelando a discussão da homofobia ao
novo Código Penal.
Integrante da Igreja Universal do Reino de Deus, o senador fluminense
argumentou que não havia sentido as duas propostas tramitarem
separadamente porque o Código Penal trata do assunto ao tipificar os
crimes de intolerância e racismo. Eduardo Lopes é suplente do senador
licenciado Marcelo Crivella, ministro da Pesca, bispo da Igreja
Universal e sobrinho de Edir Macedo, fundador e líder da instituição. “A
família brasileira vai poder criar filhos felizes nos moldes de Deus,
pois o PL 122 foi sepultado, jogado no lixo e está definitivamente
morto”, disse Magno Malta, ao defender o requerimento do colega.
Mais ampla
Apesar de admitir discordância em relação à última versão do PL da
Homofobia, Jean Wyllys diz que pretende apresentar uma proposta mais
ampla quando o projeto do Código Penal chegar à Câmara. “Proposta esta
que enfrente de maneira sistêmica os crimes discriminatórios!”, disse
ele. “Que garanta políticas públicas e ferramentas legais de proteção
contra todas as formas de discriminação! Que também promova a educação
para o respeito à diversidade!”, afirmou Jean.
Paulo Paim, Eduardo Suplicy (PT-SP) e Ana Rita (PT-ES) tentaram
evitar que o PLC 122 fosse discutido com o Código Penal. Mas acabaram
derrotados. Os três petistas prometem tentar reverter a decisão na
Comissão de Constituição e Justiça, onde as duas propostas serão
discutidas em conjunto. “Lá tudo pode acontecer”, diz Paim, ao refutar
que o PL da Homofobia tenha sido enterrado.
Congresso em Foco
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