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Na época de A Foreign Sound (2004), Caetano Veloso desembarcou em Nova York e pegou um táxi. O motorista, americano, perguntou se era dele a versão de ‘Come as You Are’, do Nirvana. Caetano disse que sim. “Outro dia ouvi você cantando no rádio”, comentou o motorista. “Foi a primeira vez que entendi aquela música e disse para mim mesmo: Ela é linda!”.
O comentário do taxista – que Caetano cita no filme Coração
Vagabundo (2008) – dá a dimensão do alcance do brasileiro, que hoje é
festejado por todo país por ocasião de seus 70 anos de vida. Caetano
foi - e é - uma das figuras fundamentais para a construção do que
chamamos de Música Popular Brasileira e sua produção ecoa nos quatro
cantos do mundo, dos Estados Unidos ao Japão, passando pela América
Latina e países de língua espanhola.
O presente de aniversário de Caetano veio com o anúncio, mês
passado, de que o baiano de Santo Amaro da Purificação será o grande
homenageado do Grammy Latino deste ano, prêmio que já venceu oito
vezes. No dia 14 de novembro, em Los Angeles, o músico receberá o
título de Personalidade do Ano da Academia Latina de Gravação.
"Caetano Veloso tornou-se o embaixador de destaque da música e
cultura brasileira", declarou o presidente da Academia Latina de
Gravação, Gabriel Abaroa Jr. “É difícil encontrar alguém capaz de
empenhar talento, paixão e dedicação tão imensos aos seus projetos
criativos, seja na música, na poesia de suas composições ou em sua
postura ativista”
O prêmio não é gratuito. Caetano é, sem dúvida, um dos brasileiros
mais influentes de todos os tempos. Como músico (ele também é escritor,
cineasta e ativista político), promoveu revoluções estéticas na música
brasileira, tal qual Miles Davis fez no jazz e David Bowie, no rock.
Ao lado de Gilberto Gil, inaugurou um movimento que traria profunda
revolução sonora, cultural e comportamental no Brasil dos anos 1960.
Afinal, o Tropicalismo era o grito de dois artistas visionários que, ao
ultrapassarem a ingenuidade iê-iê-iê da Jovem Guarda, a caretice da
bossa nova e a falta de rebeldia do samba, estabeleceram que a música
popular poderia ter guitarras altas e respingar psicodelia, incorporar
o grotesco, o cinema, a literatura e as artes plásticas.
Mais que isso, o Tropicalismo de Caetano – que dividiu a opinião
pública e foi alvo de protestos por parte dos conservadores – aplicava
a máxima antropofágica do escritor modernista Oswald de Andrade: criar
uma arte brasileira e original a partir do reprocessamento de
informações estrangeiras.
Caetano, assim como Gil, pagaram caro pela postura, mas o exílio em
Londres, imposto pelo Regime Militar, só fez brotar a inquietude dos
dois baianos, sobretudo do baiano filho de Dona Canô, irmão de Bethânea
e pai de Moreno. E mesmo longe, comporia dois álbuns formidáveis:
Caetano Veloso (1971), que traria 'London London' e a versão pungente
de 'Asa Branca', e o disco considerado a obra-prima do músico: Transa
(1972).
De volta ao país, Caetano teria muito a dizer e muitos caminhos a
abrir. Assim, nasceu Araçá Azul, disco de ruptura estética que mostrava
ao Brasil de 1973 que a gente não precisava dos campos de morango dos
Beatles, se a gente tinha plantação de cana-de-açúcar.
Com Qualquer Coisa e Jóia, discos que seriam lançados em 1975,
Caetano inaugurou sua fase de ouro, um cancioneiro de dezenas de
composições só dele – além de “covers” de Tom Jobim, Gilberto Gil,
Jorge Ben Jor, Beatles, etc. - que entrariam no imaginário cultural
popular brasileiro para nunca mais sair.
Até os anos 1980, Caetano seguiria reinventando seu som das mais
variadas maneiras (incluindo o uso de sintetizadores, tão em voga no
rock brasileiros daquela época) e emplacando clássicos como ‘Sampa’,
‘Estrangeiro’ e ‘Odara’ e ‘Podres poderes’.
Já devidamente um gigante da MPB, a carreira de Caetano ganharia
novo fôlego com um de seus discos mais elogiados, Circuladô (1991),
álbum que entraria na relação dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de
Morrer (Editora Sextante).
Já na era do CD, Circuladô foi sucedido por um tremendo álbum, o duplo Circuladô Ao Vivo (1992), fruto de uma turnê de sucesso.
A partir daí, os discos de estúdio de Caetano ganhariam registros ao
vivo, inicialmente em CD e, mais para frente, em DVD (caso do
obrigatório Prenda Minha, de 1998).
De Circuladô para cá, Caetano concebeu mais um disco esteticamente
revolucionário: Cê (2006), um disco de rock, básico, de urgência
primitiva e arranjos rebuscados. Nessa linha, também surpreendeu ao
compor e produzir o mais novo disco da conterrânea Gal, Recanto (2011),
talvez o disco mais “estranho” da cantora.
Nesses últimos 20 anos, Caetano também emplacou alguns projetos de
parceria. Em 1993, celebrou 30 anos de amizade com Gil voltando ao
estúdio para gravar Tropicália 2. Em 2002 gravou com Jorge Mautner Eu
Não Peço Desculpas e com Maria Gadú fez o Multishow ao Vivo (2011). Seu
ultimo registro fonográfico é o especial da Globo que o une à Gil e
Ivete Sangalo (2012).
Recentemente, como parte das comemorações de seus 70 anos, Caetano
liberou toda sua obra para audição gratuita através do site oficial,www.caetanoveloso.com.br.
Também é possível comprar a versão digital de cada faixa, via iTunes.
Enquanto isso, às bancas já exibem uma coleção de fascículos que traz
alguns dos CDs mais emblemáticos do músico de brinde.
Seu ultimo álbum de estúdio, Zii e Zie (2009), também trouxe uma
maneira diferente de compor. Caetano amadureceu o disco no palco, e
levou a discussão do trabalho para o blog ‘Obra em Progresso’, que ele
mesmo escrevia. Em pauta, a música, mas também o pensamento político e
social de um músico que nunca se furtou a expressar o que sente e o que
pensa, da vida, da música e do país que o admira.
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